De acordo com a doutrina católica, é a pessoa que, tendo seguido os mandamentos de Cristo e ajudado a promover o bem, ao morrer está salva e junto de Deus, no céu. Pela fé cristã, mesmo quem tenha feito o mal a vida inteira pode tornar-se santo se, no último momento que antecede a morte, reconhecer seus erros e, sinceramente, pedir perdão a Deus. A Igreja, portanto, não faz santos. A ela cabe apenas reconhecer a santidade de alguém que, com a ajuda divina, a tenha conquistado pelos próprios méritos. Como nem mesmo o papa consegue saber o que se passa depois da morte, durante séculos a Igreja desenvolveu um complicado processo para comprovar se uma pessoa, ao morrer, já está salva. Ou seja, se virou santa.
Existem duas formas pelas quais a Igreja tenta descobrir se alguém é santo ou não. A primeira é pelo exame exaustivo da biografia do candidato, para assegurar-se de que ele realmente levou uma vida correta, ajudando a melhorar o mundo a sua volta. O outro sinal, considerado infalível, é o milagre - um evento extraordinário, inexplicável à luz da ciência ou de qualquer razão humana, e que, teoricamente, só é possível mediante a ação divina. Ocorre que, da mesma forma que a Igreja não faz santos, o santo também não faz milagre. Ele é apenas um intermediário entre um ser vivo, que solicita o milagre, e Deus, que o concede. Por isso, o milagre é considerado uma prova de santidade pelos católicos. Quando acontece, significa que o santo a quem foram dirigidas as orações está perto o suficiente de Deus para interceder em favor de alguém e ser atendido. O milagre é, portanto, um sinal do mundo dos mortos para o mundo dos vivos.
Durante séculos, esses dois parâmetros - a biografia ilibada do candidato a santo e os milagres obtidos mediante sua suposta intercessão - foram considerados os requisitos essenciais para o processo de santidade. Na primeira etapa, a da beatificação, era necessário que, além de comprovar que o candidato teve uma vida correta, fosse constatada a realização de pelo menos um milagre. Na etapa seguinte, a da canonização, exigia-se um segundo. Para não haver riscos de engano, os candidatos sempre passaram por um escrutínio rigoroso. Nisso também há mudanças.
Pelas regras do Vaticano, qualquer católico pode propor o início de um processo de beatificação, mas, até João Paulo II, cabia ao proponente provar que o candidato era santo, enquanto o tribunal da Igreja se esforçava para demonstrar o oposto. Daí surgiu a figura do "advogado do diabo", um promotor cuja função era demonstrar, por todos os meios, que o aspirante asanto tinha culpa em cartório. Por esse sistema, era considerado culpado (de não-santidade) até prova em contrário. Além disso, toda a investigação sobre a biografia do candidato e seus supostos atos milagrosos centralizava-se em Roma. João Paulo II mudou esse processo em 1983.
Agora, a candidatura não precisa mais ser encaminhada diretamente a Roma, como se fazia anteriormente. As dioceses locais ganharam autonomia para iniciar o processo e até mesmo fazer toda a investigação inicial sobre a vida do candidato a santo. Dessa forma, quando chega ao Vaticano, o processo está em uma fase bem adiantada e com o importante aval de uma parte da hierarquia católica (os bispos locais), que antes não era levada muito em conta. O papa descentralizou o trabalho de garimpar santos ao redor do mundo. Ao todo, são mais de 5.000 bispos com autonomia para cuidar das fases iniciais do processo.
Em Roma as coisas também mudaram. O procurador da Congregação da Causa dos Santos, nome oficial do antigo advogado do diabo, deixou de existir. Agora, a investigação cabe a um "colégio de relatores", que se encarrega de checar os dados biográficos do candidato enviados pelas dioceses locais. "A canonização deixou de ser um processo semelhante a um inquérito criminal para se parecer mais com uma tese de pós-doutorado", diz George Wiegel, um dos biógrafos de João Paulo II. Outra mudança: hoje, para que alguém seja beatificado, nem mesmo a comprovação de um milagre é necessária. Um exemplo disso é o padre José de Anchieta, o primeiro candidato a santo do Brasil, beatificado sem que nenhum milagre por sua intercessão tenha sido registrado oficialmente. O milagre só continua a ser fundamental na etapa seguinte, a da canonização.
A figura mítica dos santos não é uma criação exclusiva do catolicismo romano. Nas sociedades antigas era comum celebrar a memória de um morto poderoso dando-lhe status de divindade. A palavra apoteose vem do grego apothéosis, que significava a elevação de um ser humano à categoria dos deuses. Curiosamente, muitos dos primeiros cristãos foram martirizados e se tornaram santos justamente porque se recusaram a cultuar os imperadores como deuses.
Hoje outras religiões possuem figuras parecidas com as dos santos católicos. A Igreja Ortodoxa russa elevou ao altar o czar Nicolau II, assassinado pelos bolcheviques em 1917 durante a revolução comunista. Uma estátua do imperador foi instalada no centro de Moscou e recebe a visita de procissões de fiéis. A Igreja Luterana Evangelista de Nova York canonizou o pastor Martin Luther King, assassinado a tiros em 1968. O budismo também cultua divindades com funções parecidas com as dos santos católicos. Uma delas é Kannon, também representada nas imagens por uma mulher angelical segurando um filho nos braços. Entre 1600 e 1800, quando o cristianismo foi proibido no Japão, os fiéis passaram a venerar nos altares a santa oriental.
Do ponto de vista católico, os santos não existem apenas para intermediar milagres. Servem também de exemplo para os que estão vivos. Ao canonizar alguém, é como se a Igreja dissesse: "Veja o que essa pessoa fez de bom e tente imitá-la. Assim você também poderá salvar a sua alma". No começo do cristianismo, só os mártires, os que morriam pela fé, eram santos. O relato mais antigo chama-se "O Martírio de São Policarpo", do ano 167, e conta a morte do bispo da cidade de Esmirna, na atual região da Turquia. Todos os 54 primeiros papas morreram assim e foram imediatamente promovidos à condição de santos. Só no final do século IV surgiram as outras formas de santidade. Durante os primeiros 1 000 anos da Igreja, não havia processo algum de beatificação ou canonização. Os santos eram escolhidos por aclamação popular. Cabia aos bispos apenas referendar a vontade do povo.
São dessa época os santos legendários, cuja história real se mistura com a lenda, reproduzida de boca em boca durante a Idade Média. Uma dessas figuras é Santa Úrsula. Segundo relato medieval, era filha de um rei católico da Inglaterra e foi pedida em casamento por um príncipe pagão. Disposta a manter sua virgindade, ela conseguiu adiar o casamento por três anos. Como fez isso? Passou os três anos em alto mar, navegando junto às costas da Grã-Bretanha. Antes de partir, providenciou a companhia de onze filhas de nobres, todas virgens, e cada qual levou junto mais 1 000 virgens. No total, 11 000 virgens, distribuídas em onze navios. Ao final dos três anos, um forte vento levou as virgens e seus navios para longe da Inglaterra. Aportaram na Alemanha e, dali, seguiram a pé, em peregrinação, até Roma. Depois voltaram à cidade alemã de Colônia, onde foram todas martirizadas pelos hunos por se recusarem a abrir mão de sua virgindade e a renegar a fé em Cristo. Atualmente, Úrsula e as 11 000 virgens estão na galeria dos santos de existência duvidosa, não comprovada.
Fazer santos hoje envolve uma laboriosa rede no mundo católico. Grandes congregações religiosas, como a dos beneditinos, chegam a manter profissionais de plantão no Vaticano para zelar pelo bom andamento de seus processos de canonização. Até pouco tempo atrás, a defesa de uma causa consumia mais de 70 000 reais, em razão dos custos com pesquisas de documentos e as constantes viagens à Roma. Agora é possível aprovar um santo com metade desse dinheiro. Isso abriu as portas para candidatos de países e congregações mais pobres. "A simplificação do processo mudou o perfil dos eleitos", afirma o frei italiano Sergio Mariano Foralosso, autor de uma tese de mestrado sobre a distribuição geográfica das causas dos santos.
Em seu trabalho, Foralosso analisou centenas de processos do Vaticano entre 1895 e 1975. Até o final do século XIX, metade dos santos eram italianos e apenas 13% deles não tinham origem européia. Vinte anos atrás, o quadro já era bastante diferente. A porcentagem de santos não-europeus já havia dobrado. "As reformas recentes e a disposição do papa João Paulo II acentuaram ainda mais essa tendência", afirma Foralosso.
OBSERVAÇÕES
Em 2 000 anos de história da Igreja, João Paulo II é o que mais fez santos. Ao todo, já canonizou 447. Todos os outros 263 papas, somados, fizeram 302 canonizações. De uma leva só, no começo de outubro de 2000, o Papa canonizou 120 cristãos martirizados na China entre 1648 e 1930. Além disso, promoveu outras 1 052 pessoas à condição de beatas, o penúltimo estágio antes da santidade.
Na igreja, sob o comando de João Paulo II, o próprio conceito de santidade mudou. Antigamente, santos eram figuras míticas da fé cristã, pessoas de conduta e virtudes ímpares, capazes de se submeter às mais terríveis provações em nome da religião que professavam. Depois de mortas e já candidatas à santidade, eram responsáveis por milagres e feitos extraordinários. Com essas exigências, ser santo era uma meta quase inatingível para seres humanos normais, repletos de defeitos e fraquezas e expostos às tentações e ao pecado.
Os santos de João Paulo II, ao contrário, são pessoas comuns, sem nenhuma outra característica marcante que não seja ter levado uma vida honesta, fazendo o bem, rezando e seguindo os ensinamentos de Cristo. Nessa galeria de santos gente-como-a-gente há um jovem estudante, alpinista e jogador de futebol, uma pediatra mãe de família, uma empregada doméstica e um mordomo negro haitiano cuja biografia registra como feito mais notável ir à missa em Nova York todos os domingos e se dar bem com a vizinhança.
"Esse papa tem uma visão generosa do ser humano", diz o professor e psicólogo Ivan Rojas, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Ele acredita que qualquer pessoa pode ser santa, ainda que sem realizar nenhum feito extraordinário. A santidade não está mais confinada aos mosteiros e às sacristias. É uma vocação natural dos cristãos." Tome-se o caso do estudante italiano Pier Giorgio Frassati. Filho do fundador e diretor do jornal La Stampa, de Turim, Pier foi um jovem absolutamente normal. Gostava de esportes e excursões e estudou engenharia de minas. Morreu aos 24 anos, de poliomielite, e foi beatificado em 1990. Um dos motivos de sua beatificação, citados pelo Vaticano, é que, nas horas vagas, Pier visitava os pobres e ajudava as pessoas necessitadas. Também organizou a Federação dos Universitários Católicos italianos. São razões nobres e merecedoras de admiração por parte da Igreja, mas no passado dificilmente alguém tão jovem e com um currículo tão modesto de boas ações seria promovido a santo.
Para facilitar o acesso das pessoas comuns ao status da santidade, o Papa simplificou o processo de beatificações e canonizações. Do ponto de vista do processo canônico, hoje é muito mais fácil virar santo do que vinte anos atrás. Katharine Drexel, milionária americana que usou sua herança de 20 milhões de dólares para fundar uma ordem missionária, foi canonizada no começo de outubro, apenas 45 anos depois de sua morte. Antigamente, para que alguém virasse santo era preciso que o processo se arrastasse na burocracia do Vaticano durante dois ou três séculos, em média. O atual papa reduziu de cinqüenta para cinco anos a exigência de tempo mínimo entre a morte do candidato e o início de seu processo de santificação.
Existem duas formas pelas quais a Igreja tenta descobrir se alguém é santo ou não. A primeira é pelo exame exaustivo da biografia do candidato, para assegurar-se de que ele realmente levou uma vida correta, ajudando a melhorar o mundo a sua volta. O outro sinal, considerado infalível, é o milagre - um evento extraordinário, inexplicável à luz da ciência ou de qualquer razão humana, e que, teoricamente, só é possível mediante a ação divina. Ocorre que, da mesma forma que a Igreja não faz santos, o santo também não faz milagre. Ele é apenas um intermediário entre um ser vivo, que solicita o milagre, e Deus, que o concede. Por isso, o milagre é considerado uma prova de santidade pelos católicos. Quando acontece, significa que o santo a quem foram dirigidas as orações está perto o suficiente de Deus para interceder em favor de alguém e ser atendido. O milagre é, portanto, um sinal do mundo dos mortos para o mundo dos vivos.
Durante séculos, esses dois parâmetros - a biografia ilibada do candidato a santo e os milagres obtidos mediante sua suposta intercessão - foram considerados os requisitos essenciais para o processo de santidade. Na primeira etapa, a da beatificação, era necessário que, além de comprovar que o candidato teve uma vida correta, fosse constatada a realização de pelo menos um milagre. Na etapa seguinte, a da canonização, exigia-se um segundo. Para não haver riscos de engano, os candidatos sempre passaram por um escrutínio rigoroso. Nisso também há mudanças.
Pelas regras do Vaticano, qualquer católico pode propor o início de um processo de beatificação, mas, até João Paulo II, cabia ao proponente provar que o candidato era santo, enquanto o tribunal da Igreja se esforçava para demonstrar o oposto. Daí surgiu a figura do "advogado do diabo", um promotor cuja função era demonstrar, por todos os meios, que o aspirante asanto tinha culpa em cartório. Por esse sistema, era considerado culpado (de não-santidade) até prova em contrário. Além disso, toda a investigação sobre a biografia do candidato e seus supostos atos milagrosos centralizava-se em Roma. João Paulo II mudou esse processo em 1983.
Agora, a candidatura não precisa mais ser encaminhada diretamente a Roma, como se fazia anteriormente. As dioceses locais ganharam autonomia para iniciar o processo e até mesmo fazer toda a investigação inicial sobre a vida do candidato a santo. Dessa forma, quando chega ao Vaticano, o processo está em uma fase bem adiantada e com o importante aval de uma parte da hierarquia católica (os bispos locais), que antes não era levada muito em conta. O papa descentralizou o trabalho de garimpar santos ao redor do mundo. Ao todo, são mais de 5.000 bispos com autonomia para cuidar das fases iniciais do processo.
Em Roma as coisas também mudaram. O procurador da Congregação da Causa dos Santos, nome oficial do antigo advogado do diabo, deixou de existir. Agora, a investigação cabe a um "colégio de relatores", que se encarrega de checar os dados biográficos do candidato enviados pelas dioceses locais. "A canonização deixou de ser um processo semelhante a um inquérito criminal para se parecer mais com uma tese de pós-doutorado", diz George Wiegel, um dos biógrafos de João Paulo II. Outra mudança: hoje, para que alguém seja beatificado, nem mesmo a comprovação de um milagre é necessária. Um exemplo disso é o padre José de Anchieta, o primeiro candidato a santo do Brasil, beatificado sem que nenhum milagre por sua intercessão tenha sido registrado oficialmente. O milagre só continua a ser fundamental na etapa seguinte, a da canonização.
A figura mítica dos santos não é uma criação exclusiva do catolicismo romano. Nas sociedades antigas era comum celebrar a memória de um morto poderoso dando-lhe status de divindade. A palavra apoteose vem do grego apothéosis, que significava a elevação de um ser humano à categoria dos deuses. Curiosamente, muitos dos primeiros cristãos foram martirizados e se tornaram santos justamente porque se recusaram a cultuar os imperadores como deuses.
Hoje outras religiões possuem figuras parecidas com as dos santos católicos. A Igreja Ortodoxa russa elevou ao altar o czar Nicolau II, assassinado pelos bolcheviques em 1917 durante a revolução comunista. Uma estátua do imperador foi instalada no centro de Moscou e recebe a visita de procissões de fiéis. A Igreja Luterana Evangelista de Nova York canonizou o pastor Martin Luther King, assassinado a tiros em 1968. O budismo também cultua divindades com funções parecidas com as dos santos católicos. Uma delas é Kannon, também representada nas imagens por uma mulher angelical segurando um filho nos braços. Entre 1600 e 1800, quando o cristianismo foi proibido no Japão, os fiéis passaram a venerar nos altares a santa oriental.
Do ponto de vista católico, os santos não existem apenas para intermediar milagres. Servem também de exemplo para os que estão vivos. Ao canonizar alguém, é como se a Igreja dissesse: "Veja o que essa pessoa fez de bom e tente imitá-la. Assim você também poderá salvar a sua alma". No começo do cristianismo, só os mártires, os que morriam pela fé, eram santos. O relato mais antigo chama-se "O Martírio de São Policarpo", do ano 167, e conta a morte do bispo da cidade de Esmirna, na atual região da Turquia. Todos os 54 primeiros papas morreram assim e foram imediatamente promovidos à condição de santos. Só no final do século IV surgiram as outras formas de santidade. Durante os primeiros 1 000 anos da Igreja, não havia processo algum de beatificação ou canonização. Os santos eram escolhidos por aclamação popular. Cabia aos bispos apenas referendar a vontade do povo.
São dessa época os santos legendários, cuja história real se mistura com a lenda, reproduzida de boca em boca durante a Idade Média. Uma dessas figuras é Santa Úrsula. Segundo relato medieval, era filha de um rei católico da Inglaterra e foi pedida em casamento por um príncipe pagão. Disposta a manter sua virgindade, ela conseguiu adiar o casamento por três anos. Como fez isso? Passou os três anos em alto mar, navegando junto às costas da Grã-Bretanha. Antes de partir, providenciou a companhia de onze filhas de nobres, todas virgens, e cada qual levou junto mais 1 000 virgens. No total, 11 000 virgens, distribuídas em onze navios. Ao final dos três anos, um forte vento levou as virgens e seus navios para longe da Inglaterra. Aportaram na Alemanha e, dali, seguiram a pé, em peregrinação, até Roma. Depois voltaram à cidade alemã de Colônia, onde foram todas martirizadas pelos hunos por se recusarem a abrir mão de sua virgindade e a renegar a fé em Cristo. Atualmente, Úrsula e as 11 000 virgens estão na galeria dos santos de existência duvidosa, não comprovada.
Fazer santos hoje envolve uma laboriosa rede no mundo católico. Grandes congregações religiosas, como a dos beneditinos, chegam a manter profissionais de plantão no Vaticano para zelar pelo bom andamento de seus processos de canonização. Até pouco tempo atrás, a defesa de uma causa consumia mais de 70 000 reais, em razão dos custos com pesquisas de documentos e as constantes viagens à Roma. Agora é possível aprovar um santo com metade desse dinheiro. Isso abriu as portas para candidatos de países e congregações mais pobres. "A simplificação do processo mudou o perfil dos eleitos", afirma o frei italiano Sergio Mariano Foralosso, autor de uma tese de mestrado sobre a distribuição geográfica das causas dos santos.
Em seu trabalho, Foralosso analisou centenas de processos do Vaticano entre 1895 e 1975. Até o final do século XIX, metade dos santos eram italianos e apenas 13% deles não tinham origem européia. Vinte anos atrás, o quadro já era bastante diferente. A porcentagem de santos não-europeus já havia dobrado. "As reformas recentes e a disposição do papa João Paulo II acentuaram ainda mais essa tendência", afirma Foralosso.
OBSERVAÇÕES
Em 2 000 anos de história da Igreja, João Paulo II é o que mais fez santos. Ao todo, já canonizou 447. Todos os outros 263 papas, somados, fizeram 302 canonizações. De uma leva só, no começo de outubro de 2000, o Papa canonizou 120 cristãos martirizados na China entre 1648 e 1930. Além disso, promoveu outras 1 052 pessoas à condição de beatas, o penúltimo estágio antes da santidade.
Na igreja, sob o comando de João Paulo II, o próprio conceito de santidade mudou. Antigamente, santos eram figuras míticas da fé cristã, pessoas de conduta e virtudes ímpares, capazes de se submeter às mais terríveis provações em nome da religião que professavam. Depois de mortas e já candidatas à santidade, eram responsáveis por milagres e feitos extraordinários. Com essas exigências, ser santo era uma meta quase inatingível para seres humanos normais, repletos de defeitos e fraquezas e expostos às tentações e ao pecado.
Os santos de João Paulo II, ao contrário, são pessoas comuns, sem nenhuma outra característica marcante que não seja ter levado uma vida honesta, fazendo o bem, rezando e seguindo os ensinamentos de Cristo. Nessa galeria de santos gente-como-a-gente há um jovem estudante, alpinista e jogador de futebol, uma pediatra mãe de família, uma empregada doméstica e um mordomo negro haitiano cuja biografia registra como feito mais notável ir à missa em Nova York todos os domingos e se dar bem com a vizinhança.
"Esse papa tem uma visão generosa do ser humano", diz o professor e psicólogo Ivan Rojas, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Ele acredita que qualquer pessoa pode ser santa, ainda que sem realizar nenhum feito extraordinário. A santidade não está mais confinada aos mosteiros e às sacristias. É uma vocação natural dos cristãos." Tome-se o caso do estudante italiano Pier Giorgio Frassati. Filho do fundador e diretor do jornal La Stampa, de Turim, Pier foi um jovem absolutamente normal. Gostava de esportes e excursões e estudou engenharia de minas. Morreu aos 24 anos, de poliomielite, e foi beatificado em 1990. Um dos motivos de sua beatificação, citados pelo Vaticano, é que, nas horas vagas, Pier visitava os pobres e ajudava as pessoas necessitadas. Também organizou a Federação dos Universitários Católicos italianos. São razões nobres e merecedoras de admiração por parte da Igreja, mas no passado dificilmente alguém tão jovem e com um currículo tão modesto de boas ações seria promovido a santo.
Para facilitar o acesso das pessoas comuns ao status da santidade, o Papa simplificou o processo de beatificações e canonizações. Do ponto de vista do processo canônico, hoje é muito mais fácil virar santo do que vinte anos atrás. Katharine Drexel, milionária americana que usou sua herança de 20 milhões de dólares para fundar uma ordem missionária, foi canonizada no começo de outubro, apenas 45 anos depois de sua morte. Antigamente, para que alguém virasse santo era preciso que o processo se arrastasse na burocracia do Vaticano durante dois ou três séculos, em média. O atual papa reduziu de cinqüenta para cinco anos a exigência de tempo mínimo entre a morte do candidato e o início de seu processo de santificação.
Fonte: Revista Veja, edição de 20/12/2000, título: Santo - Você ainda pode ser um"
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