Na Semana Santa do Ano da Fé somos convidados a confrontar-nos com os vários “Mistérios da Fé” celebrados nesses dias abençoados. Pensando bem, boa parte da nossa Profissão de Fé (Credo) está relacionada estreitamente com as celebrações da Semana Santa e da Páscoa. É um motivo a mais para que a vivamos intensamente, deixando-nos envolver por Deus, que veio ao nosso encontro de maneira tão misericordiosa salvadora.
Em nossa fé cristã católica professamos que Deus enviou ao mundo seu único Filho, Jesus Cristo para nos salvar. Em tudo, o Filho assumiu a nossa condição humana, menos no pecado; São Paulo bem recorda que o pecado nunca dominou sobre Ele. Salvar, significa dar sentido pleno à nossa existência e a participação na felicidade completa; isso somente Deus pode nos dar. O Filho, feito homem, acolheu a todos nós em sua santa humanidade, mostrou a luz de Deus para que possamos viver iluminados pela verdade e ele mesmo se fez para nós o caminho, a verdade e a vida.
Poderia Deus realizar o seu desígnio a nosso respeito – de vida plena para todos – sem que o Filho passasse pela contradição da condição humana, o sofrimento e a morte, como experimentam todos os descendentes de Adão e aqueles que procuram nesta vida ser fiéis a Deus? Queria Deus Pai o sofrimento de seu Filho? Este é um grande mistério e não cabem aqui respostas fáceis e superficiais. Mas é certo que Deus não quer o sofrimento para ninguém, muito menos o quis para seu amado Filho.
O fato é que Jesus Cristo, na sua condição humana, permaneceu fiel a Deus e à sua missão, não obstante as ameaças e perseguições. E Deus Pai aceitou esta radical “obediência” de Cristo: “obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8). Nessa total fidelidade a Deus, Ele nos deu o exemplo, para que sigamos os seus passos e permaneçamos fiéis a Deus sempre; nada deve ser colocado acima dessa total fidelidade a Deus. Ao meu ver, o mistério da cruz de Cristo só se explica pela sua total comunhão com Deus Pai, que teria sido rompida se Jesus entrasse no jogo das conveniências humanas ou do medo. Ele não seguiu o “politicamente correto” para salvar a própria pele. Muitíssimos, a seu exemplo, também enfrentaram todo tipo de desprezo e discriminação por causa da “verdade”. Tantos morreram mártires, como o próprio Jesus.
Nossa fé católica em Jesus Cristo não nos permite escolher apenas algum aspecto de sua pessoa ou de seu ensinamento, que mais nos agrade. E a Igreja está no mundo para testemunhar a fé completa sobre Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. É a fé pascal em Cristo ressuscitado, que triunfou sobre o pecado, o ódio e a morte; somos as testemunhas de sua ressurreição e isso constitui um ousadíssimo aspecto de nossa profissão de fé.
Mas isso não nos pode levar a esquecer a cruz de Cristo. É uma tentação insidiosa, apresentar ao mundo apenas o Cristo glorioso, sem referência ao Cristo crucificado. A tendência humana de fugir da cruz pode levar à busca de uma religião fácil e “politicamente correta”, onde só há “vantagens” e nenhuma escolha difícil ou renúncia. Jesus não ensinou um Cristianismo sem necessidade de conversão, sem cruz, sem colocar o reino de Deus como centro de referência para a vida do homem e do mundo. O seu caminho para a vida plena e para a participação na glória de Deus passa pela cruz.
O papa Francisco, na sua primeira missa com o colégio Cardinalício no dia 14 de março, ainda na Capela Sistina, observou que a Igreja, deixando de lado Jesus Cristo crucificado, tornar-se-ia apenas uma “ONG piedosa”… Falando aos jovens, no Domingo de Ramos, convidou-os a tomarem, com ele, o caminho para a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro e encorajou-os a não terem vergonha da cruz de Cristo e a abraçarem com coragem a própria cruz, no seguimento de Cristo.
Quando professamos nossa fé, lembremos sempre que a graça de nossa “liberdade de filhos de Deus” custou “um preço muito alto” (cf 1Cor 6,20): nada menos que o sofrimento, o sangue derramado e a morte do Filho de Deus feito homem! Celebrando a Páscoa, agradeçamos por tão grande presente! E em tudo sejamos fiéis a Deus também nós, como foi nosso Salvador.
Por Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo de São Paulo
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